Embargos à Execução nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais: Garantia do Juízo ou Garantia da Efetividade Executiva?

BRUNO CAMPOS SILVA

Mestre em Direito pela PUC-SP Especialista em Direito pelo CEU-SP (atual IICS), LL.M em Proteção de Dados: LGPD & GDPR pela FMP Law do RS e Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor da Unipac-Uberaba-MG e da Universidade Federal de Uberlândia (UFU); Advogado.

RAYLSON COSTA DE SOUSA

Advogado, Pós-graduando em Processo Civil na PUC-MG, foi membro efetivo da Comissão de Direito Ambiental, Agrário e Urbanístico da 14ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, em Minas Gerais, e 1º suplente da Ordem dos Advogados do Brasil junto ao Conselho Municipal do Meio Ambiente de Uberaba (MG) no triênio de 2020-2024.

RENNAN THAMAY

Pós-Doutor pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca, PUC/RS e Universitàdegli Studi diPavia. Mestre em Direito pela UNISINOS e pela PUC Minas Especialista em Direito pela UFRGS. Professor Titular do programa de graduação e pós-graduação (Doutorado, Mestrado e Especialização) da FADISP. Advogado.

 

No Estado de Minas Gerais, a discussão sobre a necessidade de prévia garantia do juízo para a admissibilidade de embargos à execução nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais tem sido frequente, especialmente diante de interpretações divergentes entre enunciados normativos e decisões judiciais.

O Enunciado 117 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais (FONAJE) dispõe que:

“é obrigatória a segurança do juízo pela penhora para apresentação de embargos à execução de título judicial ou extrajudicial perante o Juizado Especial”.

Tal orientação, embora seguida em algumas decisões, mostra-se descompassada com o entendimento consolidado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

Isso porque em sentido oposto ao FONAJE, o Enunciado 84 do Órgão Especial do TJMG estabelece que “é desnecessária a prévia garantia do juízo para a admissibilidade dos embargos à execução da sentença proferida no âmbito dos Juizados Especiais”, portanto, em sintonia fina, com a norma prevista no CPC.

Inclusive, Humberto Theodoro Júnior (2020, p. 923-924) complementa a temática da seguinte maneira:

(…) a segurança do juízo não foi, propriamente, eliminada da disciplina dos embargos à execução. Mudou, porém, de papel. Em lugar de condição de procedibilidade passou a ser requisito do efeito suspensivo, quando pleiteado pelo embargante (art. 919).

Assim, tais ensinamentos, bem como a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, estão alinhados ao atual regime jurídico do Código de Processo Civil (CPC), o qual não exige garantia do juízo como condição para a oposição de embargos, salvo nos casos em que se busca atribuição de efeito suspensivo.

A divergência surge, em grande parte, da origem do Enunciado 117 do FONAJE, elaborado com base no art. 475-J do CPC/1973, que exigia a garantia do juízo para que o devedor pudesse impugnar a execução de sentença. No entanto, com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de2015, tal exigência foi suprimida, tornando o Enunciado 117 inadequado à nova realidade normativa.

A integração do CPC ao procedimento dos Juizados Especiais é prevista no art. 52, inciso IX, da Lei nº 9.099/1995, que admite a aplicação subsidiária de suas disposições processuais.[1] Em razão disso, não há fundamento legal para exigir a prévia garantia do juízo como condição para a admissibilidade dos embargos à execução no âmbito dos Juizados Especiais.

Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini afirmam:

“Cabem embargos à execução (art. 52, IX, da Lei 9.099/1995) independentemente de garantia do juízo que poderão versar, apenas, sobre ausência ou nulidade de citação; excesso de execução; erro de cálculo ou; causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, desde que superveniente à sentença. O prazo para ajuizar os embargos à execução é de quinze dias (arts. 525 e 915 do CPC/2015). A atribuição de efeito suspensivo aos embargos dependerá de prévia garantia do juízo e da demonstração da plausibilidade do pedido ali formulado e do risco de danos graves com o prosseguimento da execução”.[2]

Essa interpretação tem sido reforçada nos últimos anos, em que se consignou que a exigência de garantia não encontra respaldo no ordenamento jurídico vigente e constitui verdadeiro error in procedendo, quando decisões judiciais deixam de apreciar a defesa apresentada sob esse fundamento.

Vejamos:

“CONSELHO DA MAGISTRATURA – CORREIÇÃO PARCIAL – JUIZADO ESPECIAL CÍVEL – APRESENTAÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO PELO DEVEDOR – GARANTIA DO JUÍZO – DESNECESSIDADE – ERRO DE PROCEDIMENTO – RECONHECIMENTO. De acordo com o Enunciado da Súmula 84 do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, é desnecessária a prévia garantia do juízo para a admissibilidade dos embargos à execução da sentença proferida no âmbito dos juizados especiais” (TJMG –  Correição Parcial (Adm) 1.0000.22.100335-3/000, Relator(a): Des.(a) Claret de Moraes, CONSELHO DA MAGISTRATURA, julgamento em 04/07/2023, publicação da súmula em 25/07/2023).

“CONSELHO DA MAGISTRATURA – CORREIÇÃO PARCIAL – JUIZADO ESPECIAL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – GARANTIA DO JUÍZO – DESNECESSIDADE – “ERROR IN PROCEDENDO” – RECONHECIMENTO. É desnecessária a prévia garantia do juízo para a admissibilidade dos embargos à execução da sentença proferida no âmbito dos Juizados Especiais (Enunciado 84 do Órgão Especial do TJMG)” (TJMG –  Correição Parcial (Adm) 1.0000.21.054595-0/000, Relator(a): Des.(a) Valeria Rodrigues, CONSELHO DA MAGISTRATURA, julgamento em 08/11/2022, publicação da súmula em 11/11/2022).

Assim, o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais representa um avanço na interpretação das normas processuais, ao garantir ao devedor a possibilidade de apresentar sua defesa sem a imposição de obstáculos indevidos, como a exigência de garantia do juízo.

O CPC prioriza a ampla defesa e o contraditório, fundamentos que devem nortear as decisões judiciais, sobretudo em um ambiente como o dos Juizados Especiais, voltado à celeridade e à simplicidade processual.

Portanto, a manutenção de decisões que condicionem a admissibilidade dos embargos à execução à garantia do juízo representa não apenas uma afronta ao CPC, mas também uma violação aos princípios basilares que orientam o processo civil contemporâneo. Que prevaleça a interpretação mais coerente com o atual ordenamento jurídico, promovendo maior efetividade executiva (ex vi do art. 4º, do CPC), e justiça às partes envolvidas.

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[1] Segundo Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini: “O procedimento dos embargos à execução do art. 52, IX, da Lei 9.099/1995, em que pese o nome dado à ação, submete-se subsidiariamente, em primeiro lugar, à normas relativas à impugnação ao cumprimento de sentença (art. 525 do CPC/2015), com o que mais se assemelha, em comparação aos embargos à execução de título executivo previstos no CPC” (WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: procedimentos especiais e juizados especiais. 17. ed. SP: Thomson Reuters Brasil, 2020, v. 4, p. 388).

[2] WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: procedimentos especiais e juizados especiais. 17. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, volume 4, p. 388.