Desigualdades e tributação
Gisele Leite
Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora – Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional.
Há possíveis impactos da reforma tributária do corrente ano, aliás todo empreendedor deverá estar informado das mudanças que ocorrem, principalmente, relacionadas ao sistema tributário e a organização de tributos em geral. Atualmente, o texto já duplamente aprovado pela Câmara dos Deputados, seguirá para o Senado, é previsível sua votação até novembro do mesmo ano.
O principal objetivo da reforma tributária de 2023 é simplificar o sistema tributário pátrio e, aperfeiçoar a transparência e justiça na gestão pública.
Para tanto, deu-se a criação de novas medidas fiscais, o que aperfeiçoou a arrecadação tributária e auxiliando o cotidiano dos contribuintes brasileiros.
No fundo, a referida reforma é uma proposta de Emenda à Constituição (PEC 45/2019) e pretende organizar os impostos sobre bens e serviços, tornando o sistema atual não cumulativo. Sublinhe-se que a tributação acumulativa traz alíquotas que se sobrepõem sucessivamente mediante a cada ciclo econômico, majorando os impostos e, ipso facto, as obrigações fiscais.
Os cinco atuais tributos sobre o consumo como o IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS serão substituídos por apenas dois impostos sobre o valor agregado (IVAs), o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
Reparem que diferentes impostos serão concentrados num único imposto o IVA ou Imposto sobre Valor Agregado e que incidirá sobre o consumo de bens e serviços em cada etapa da cadeia produtiva.
A cobrança do IVA será realizada de forma gradual e unificada, com o imposto sendo calculado com base no valor agregado de cada etapa comercial, transformando mais transparente todo o sistema tributário. Frise-se que o IVA incidirá sobre o consumo, não sobre a renda nem o lucro.
Tecnicamente, o IVA será dividido em duas partes, a saber: Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) de arrecadação federal, substituindo o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) Programa de Integração Social (PIS) e o Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS): imposto de arrecadação estadual e municipal, substituindo o Imposto sobre Circulação de Bens e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS).
Persiste uma dúvida comum é sobre a mudança de impostos como IPVA, herança e IPTU.
Observa-se que o IPVA pois o novo texto permitirá a cobrança de impostos nos Estados sobre jatinhos, iates e lanchas. Atualmente, estes veículos não pagam impostos. Além disso, carros elétricos pagarão um percentual menor do imposto, por serem considerados menos poluentes ao meio ambiente.
IPTU: de forma geral, cada prefeitura terá maior autonomia para determinar o valor do IPTU da sua cidade.
Herança: o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) será realizado de forma progressiva. Em resumo, herdeiros com patrimônios menores lidarão com um tributo menor. Patrimônios maiores, por outro lado, serão taxados com alíquotas mais altas
Outra mudança importante da reforma tributária será a criação do Imposto Seletivo, que prevê a taxação de produtos considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Verifica-se como principal aspecto positivo da reforma tributária é a ideia da redução da complexidade fiscal, auxiliando empreendedores brasileiros e atraindo investimentos estrangeiros.
Apesar de que ainda existem pontos não detalhados e que podem ser considerados negativos, como as alíquotas estimadas e transições ainda não especificadas para os novos impostos, como o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A alíquota do IVA, por exemplo, ainda não foi definida.
Destaca-se, outrossim, a criação do IS – Imposto Seletivo, no lugar do IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados, sendo uma sobretaxa para produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, como agrotóxicos, cigarros e bebidas alcoólicas, bem como a possibilidade de isenção e/ou redução no percentual de alíquotas dos bens e serviços considerados básicos e essenciais, setores os quais também serão definidos por lei complementar.
Prevê, ainda, um período de transição, tanto para a cobrança, como para a distribuição da arrecadação, passando a ter vigência integral em 2033, além da unificação da legislação de novos tributos e fundos para bancar créditos do ICMS até 2032 e para o desenvolvimento regional.
Sem necessidade de se aprofundar nos detalhes da proposta da reforma tributária, é possível constatar que aquilo que é visto como a solução para simplificar o sistema tributário, acaba por gerar inúmeras incertezas e inseguranças às empresas, em especial quanto à forma de cobrança dos tributos, às alíquotas que serão aplicadas, os benefícios que serão concedidos, os impactos setoriais e competitivos, os efeitos nos custos e planejamento financeiro, complexidade e adaptação de novas regras e às obrigações fiscais a serem cumpridas.
O valor da cesta básica deverá ter redução quando uma lei complementar definir uma lista nacional de produtos que terão alíquota zero. Ainda não se mensurou qual será o final impacto sobre os preços ao consumidor. O texto da proposta prevê a alíquota reduzida em sessenta por cento para medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual bem como os medicamentos para doenças graves, como câncer e outras enfermidades poderão ter alíquota zerada.
Na área de serviços, o impacto será relativo pois a maior parte dos serviços aos consumidores finais se enquadra atualmente no Simples Nacional, portanto, não haverá mudanças. Outros serviços terão alíquota reduzida em sessenta por cento, é o caso de serviços de transporte coletivo, de saúde, de educação, de segurança da informação e cibernéticos e de segurança nacional serão beneficiados.
Da Silva adverte que conforme está estruturado o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) na redação da PEC 45/2019 em discussão no Senado, conduz obrigatoriamente à necessidade de um processo de centralização e redistribuição do produto da arrecadação do imposto a ser gerido e administrado pelo Conselho Federativo.
O IBS referente às transações interestaduais, entre contribuintes será pago de modo antecipado, na emissão da Nota Fiscal e, o valor correspondente ingressaria diretamente no Tesouro do Estado destinatário. Realizada a dita operação, o adquirente ou tomador dos serviços se creditaria do valor pago, destacando-se no bojo da nota fiscal, bem como ocorre no caso de IBS quanto aos demais insumos, serviços ou mercadorias adquiridas internamente ou importadas.
O que excluiria a necessidade de qualquer tipo de compensação entre os Estados, posto que não haveria valor recolhido na origem a ser transferido para o Estado de destino.
Cumpre alertar que na sistemática vigente de compensação, particularmente a interestadual, o Estado de origem sempre arcará com o custo de eventual inadimplência do imposto destacado.
Mas, em havendo o pagamento antecipado, haverá nula inadimplência, posto que apenas o valor previamente pago dará direito ao crédito, e o Estado de origem resta totalmente desobrigado em relação ao IBS que, de fato, não está relacionado à sua base de tributação (no consumo interno).
Outra previsão inovadora é a arrecadação originária dos municípios, no IBS o que representará cerca de um terço do montante que efetivamente ingressará aos cofres municipais. E, tais percentuais indicam que o valor auferido pelos municípios por conta da cota-parte é suficiente para sustentar todo o procedimento de ajustes e de redistribuição de arrecadação que deverá ocorrer no sistema de compensação do Conselho Federativo.
Infelizmente, tanto o vigente sistema tributário nacional como também o que está por vir ainda geram insegurança para as empresas em face de sua notória complexidade bem como a carência de definições esclarecedoras, deixando os contribuintes aflitos sem saber ao certo o que esperar… É o misterioso binômio composto por desigualdade e tributação. Mas, afinal, a esperança é a última que morre.
Referências
Agência Senado. Para debatedores, reforma tributária aponta na direção certa, mas exige ajustes. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/08/22/para-debatedores-reforma-tributaria-aponta-na-direcao-certa-mas-exige-ajustes aceso em 22.9.2023.
DE CAMPOS, Ruy Fernando Cortes. O que esperar da reforma tributária. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/392478/o-que-esperar-da-reforma-tributaria Acesso em 22.09.2023
DA SILVA, Giovanni Padilha. É preciso refletir sobre a centralização da arrecadação do IBS. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/e-preciso-refletir-sobre-a-centralizacao-da-arrecadacao-do-ibs-21092023 Acesso em 22.9.2023.