Com robô, 6 a cada 10 pedidos de aposentadorias do INSS são indeferidos

Desde julho deste ano o INSS adotou inteligência artificial para o processamento de benefícios. Apesar da agilidade, pessoas que têm direito têm recebido recusas

O profissional de almoxarife Francisco Andrade Soares, de 63 anos, recebeu a resposta sobre a análise de aposentadoria em um tempo relativamente curto, 4 meses. Para além da agilidade, o que surpreendeu o quase-aposentado foi o resultado: negado.
Desde julho deste ano, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) está utilizando um sistema de inteligência artificial, uma espécie de robô, para analisar a concessão de todos os benefícios previdenciários. Desde então, a taxa de deferimento do instituto caiu.

De acordo com dados do Sistema Único de Benefícios (Suibe), a média de deferimentos anual entre 2018 e 2021 girava entre 51% e 55%. No período entre 1º de junho e 1º de outubro deste ano, contudo, o percentual foi para 41%, conforme dados obtidos pelo Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) por meio de Lei de Acesso à Informação (LAI). Ou seja, a cada 10 pedidos, seis são negados.

Enquanto a taxa de deferimento cai, a fila de análise também está menor. Em outubro, o estoque de processos de Reconhecimento Inicial de Direitos de Benefícios Previdenciários e Assistenciais do INSS atingiu o menor patamar desde que o processo digital foi iniciado, em 2008, com 976 mil pedidos.

Mas, apesar do menor tempo esperando na fila do INSS, quem tem o benefício indeferido precisa esperar em outras esferas, entrando no conselho de recursos ou judicializando ação, um processo que pode levar meses.

APOSENTADORIA NEGADA

A aposentada Ana Fátima de Souza, de 64, conta que esperou quase dez anos pela própria aposentadoria e agora luta também pelo benefício de seu marido, Antônio Valdevan, de 62 anos. O funcionário público não consegue mais trabalhar devido a uma doença no esôfago e teve a aposentadoria por invalidez negada pelo INSS.

Antônio é diagnosticado com acalasia, um distúrbio raro que faz com que ele tenha dificuldade de manter alimentos no estômago. Com vômitos frequentes, ele já passou por cirurgia e se encontra desabilitado para trabalhar.

Ele deu entrada no benefício no início de setembro e recebeu a negativa já no final de outubro. O “não” trouxe preocupação para Ana, que sustenta com dificuldade a casa onde o casal mora com a aposentadoria que recebe.

Ana entrou em contato com um advogado previdenciário para ajudar o casal a recorrer e conseguir o benefício. A esperança reside em uma perícia presencial, marcada para janeiro do próximo ano.

O plano é que, com o dinheiro do benefício do marido, o casal consiga dar entrada em um apartamento ou casa e finalmente sair do aluguel. “Às vezes eu peço ajuda das pessoas, quando eu tô muito aperreada eu peço aos irmãos dele. Porque a gente está em uma situação muito difícil. Se ele ganhar mesmo, a primeira coisa que a gente iria fazer seria comprar um apartamento para nós. Espero que Deus possa nos ajudar e abrir as portas, para dar certo e a gente conseguir”, diz.

DIGITALIZAÇÃO DA ANÁLISE

O diretor de processo administrativo do IBDP, Paulo Bacelar, explica que em 2008 foi aprovado o decreto 6722/08, que agilizava a análise da aposentadoria por utilizar dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).

Apenas a aposentadoria por idade urbana era contemplada até então. Mas, neste ano, foi aprovada a portaria 1035, de 18/07/2022, que expande a digitalização para todos os benefícios concedidos pelo INSS.

Para Bacelar, o sistema é bom pela agilidade, mas a análise digital traz o risco de indeferimento indevido.

Dessa forma, por mais que a fila no INSS fique mais curta, o beneficiário migra para filas. No poder judiciário, ele estima que a espera seja de 6 a 8 meses, mas no conselho de recursos a demora pode chegar a até dois anos.

Paulo destaca que é importante que o beneficiário tenha todas as informações atualizadas antes de dar entrada na aposentadoria, se certificando de que constam no CNIS todas as contribuições, incluindo, por exemplo, serviço militar e como microempreendedor individual caso não estejam. “As pessoas continuam procurando o INSS só quando vão pedir a aposentadoria, então o cadastro quase sempre está incompleto”, ressalta.

“QUERO UM PERITO, E NÃO UM ROBÔ”

A desatualização de cadastro foi o que levou à negativa da aposentadoria do profissional de almoxarife Francisco Andrade Soares, de 63 anos. No sistema do INSS não constam os 3 anos que ele prestou de serviço militar.

Ele conta que deu entrada no pedido em junho junto a um advogado previdenciário e recebeu a negativa em outubro. Com quase 37 anos de contribuição, ele pretende recorrer para reaver seu direito à aposentadoria. “Quero realmente que faça um acordo. Queremos um perito, e não um robô para analisar meu caso”, ressalta.

Mesmo quando receber a aposentadoria, Francisco pretende continuar trabalhando “enquanto Deus der vida e saúde”. A renda é uma forma de o profissional conseguir mais tranquilidade na velhice.

O QUE FAZER?

O advogado previdenciário Renato Soares conta que o escritório em que trabalha percebeu um aumento nos pedidos de aposentadorias indeferidos.

“A análise antes era feita por um servidor e hoje é feita por uma máquina, e ela não analisa detalhes. Qualquer informação de doença que diminua, de contrato especial, não é levado em consideração pela máquina”, chama atenção.

Soares destaca que quem teve o benefício negado na análise digital pode recorrer de forma individual ou contar com a ajuda de um advogado especialista para conseguir agilizar o processo. “Acho interessante, além de fazer o recurso para a junta de recursos, procurar um especialista e ajuizar um processo judicial para não ficar aguardando pelo INSS. Eu acho que com o processo ele não entraria na fila de recursos e ganharia pelo menos uns 6 meses. Mas isso são dados que variam de acordo com a vara, com o servidor”.

Segundo o advogado, quem teve a negativa pode ter inclusive um pagamento retroativo do benefício. “Se a pessoa aguardou todo esse período e tiver o direito reconhecido, o judiciário manda pagar todo esse tempo que ela ficou esperando. Pagamento é desde a entrada do requerimento na agência do INSS”, aponta.

COMO EVITAR A NEGATIVA?

Paulo Bacelar evidencia que o beneficiário deve conferir seu CNIS antes de dar entrada no pedido de aposentadoria, tomando o cuidado de acrescentar quaisquer informações que não estejam nos dados do sistema. “Ele tem que corrigir através do telefone 135. É importante olhar o CNIS, lá vai ter alguns indicadores, ele tem que ver se tem algum indicador de pendência. Tem segurados que tem meses que pagou abaixo do salário mínimo, que ele precisa complementar esses meses. Em alguns tem um vínculo em aberto, tem que juntar a carteira de trabalho”, ensina.

Segundo o diretor do IBDP, o beneficiário tem a opção de corrigir os dados por meio de pedido de acerto de vínculos antes ou durante o pedido da aposentadoria. De qualquer forma, a indicação é buscar um profissional do direito especializado na área previdenciária.
“O IBDP apoia a iniciativa do sistema, o advogado especializado já vai ter toda a documentação, vai fazer esse pedido e evitar a robotização. Um cadastro com todas as informações pode utilizar a robotização. O IBDP apoia, mas o sistema precisa ser melhorado”, defende.

O QUE DIZ O INSS

Em nota, o INSS esclareceu que ocorre um processamento automático do requerimento, sendo que ele pode ser concluído automaticamente (concedido ou indeferido); ter exigência automática; ou não ter nenhuma decisão ou exigência automática, sendo neste caso encaminhado para a análise manual. “Os indeferimentos ocorrem em geral quando a pessoa não atende os requisitos mínimos previsto em lei (idade, tempo de contribuição insuficiente, não tem qualidade de segurado, etc…) mas cada benefício é um caso particular”, destaca.

O instituto defendeu que o percentual total de benefícios concedidos e indeferidos estão seguindo a tendência histórica de 50% para cada grupo. “O que houve nos últimos tempos foi um aumento significativo no quantitativo de processos analisados. Isso faz com que aumente o número de respostas e, consequentemente, o número de processos deferidos e indeferidos”, elucida.

FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE