CGU: análise automática de benefícios do INSS tem mais negativas e risco de decisões indevidas

Auditores identificaram problemas em benefícios como Salário Maternidade Urbano e BPC. Alertas sobre vulnerabilidades no processo já constavam de relatório de 2020.

Um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) identificou em 2022 um aumento de mais de quatro vezes no número de indeferimentos automáticos de benefícios do INSS, como Salário Maternidade e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para pessoas com deficiência.

Segundo os auditores, há “risco significativo de decisões indevidas” e problemas em áreas como o funcionamento das análises e o volume de pessoal envolvido.

Questionado, o INSS informou que não teve acesso ao relatório e que o indeferimento, em grande parte dos casos, está ligado à perícia médica e não à automação (veja íntegra da nota abaixo).

“Notavelmente, os benefícios mais recorrentes sujeitos a recursos incluem o auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para pessoas com deficiência. O motivo predominante para indeferimentos decorre, frequentemente, do parecer desfavorável emitido pela perícia médica, e não está diretamente associado ao processo de automação”, afirmou Ailton Nunes, diretor de Tecnologia da Informação do INSS.

O INSS informou também que, em relação ao salário-maternidade, foram revisadas “as perguntas no requerimento, tornando a linguagem mais acessível ao requerente”.

“Além disso, uma mensagem foi incorporada abaixo da referida pergunta, visando fornecer clareza”, afirmou.

A auditoria verificou os processos entre 2021 e 2023, mas a automatização começou em 2017. Desde então, os tipos de benefícios analisados de maneira automatizada foram sendo ampliados e, em 2022, mais de 1,3 milhão de análises ocorreram desta maneira.

Destas, 869 mil terminaram em negativa do pedido — 2 em cada 3. A proporção é muito mais elevada do que a identificada nos casos de análise manual, com 50% de indeferimento.

A taxa de negativas aumentou junto com o número de análises, já que em 2021, quando 490 mil requerimentos foram analisados automaticamente, apenas 41% resultaram em indeferimento.

A alta nas negativas causa impactos não só na vida de quem tem o requerimento negado, mas na própria estrutura de trabalho da Previdência, especialmente no Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS). O órgão é responsável pela análise dos recursos contra as decisões iniciais.

“Em que pese o indeferimento automático permitir que os servidores deixem de analisar processos que resultariam em indeferimento, o aumento recente na quantidade de recursos interpostos junto ao CRPS referente a esse tipo de negativa faz com que seja necessário avaliar os riscos associados a essa automatização, assim como medidas que possam, eventualmente, mitigar esses riscos”, dizem os auditores.

Pergunta ambígua
Um exemplo de problema encontrado pela auditoria envolve a concessão do chamado Salário Maternidade Urbano. O benefício é pago a quem se afasta do trabalho por nascimento de filho(a), aborto não criminoso ou adoção.

Entre janeiro e julho de 2022, menos de 2% dos pedidos dos pedidos foram negados por não ter havido afastamento efetivo do trabalho pelo requerente. A partir de julho, este percentual saltou para 21,7% — em números absolutos, os indeferimentos por este motivo passaram de 7.064 em 2021 para 60.379 em 2022, uma alta de 754%.

Os auditores identificaram que uma pergunta feita no processo de requerimento, sobre o afastamento do trabalho, gerava uma resposta negativa automática do pedido.

O problema, segundo a CGU, é que a pergunta era ambígua e poderia estar gerando resultados indevidos. “O indeferimento baseado tão somente na resposta ao questionamento, que apresenta ambiguidade, demonstra a aceitação de um risco elevado de decisão incorreta”, diz o relatório.

Segundo o INSS, a pergunta já foi reformulada. Agora, é assim: “A pessoa ficou sem trabalhar a partir do parto, adoção, atestado ou aborto não criminoso?”.

O instituto também informou que incluiu uma mensagem adicional para evitar ambiguidade.

BPC
Já no caso do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para Pessoas com Deficiência, os auditores identificaram um problema técnico na análise de um dos critérios para concessão do benefício, a “ausência de vínculo em aberto para o titular” — o benefício não pode ser pago se a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada.

Em 2021, a média mensal de indeferimentos automáticos por esta causa era de 2.207, mas em 2022 o número pulou para mais de 10 mil por mês.

Em dezembro do ano passado, no entanto, o INSS publicou uma nova portaria com regras para a análise do vínculo, e, em janeiro, o número de indeferimentos por este motivo caiu para 112, dos quais 28 em análise automática. Neste meio tempo, no entanto, mais de 120 mil requerimentos foram automaticamente negados.

Sobre esse ponto, o INSS afirma que “é essencial esclarecer que as recentes mudanças não decorrem de erros, mas sim de ajustes embasados na aplicação da norma legal em contextos específicos”.

“Anteriormente, a declaração de exercício de atividade remunerada no Cadastro Único (CadÚnico), mesmo sem vínculo no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), impactava o acesso ao benefício, com respaldo legal para tal decisão. A revisão dessas diretrizes foi efetivada em conformidade com a Portaria Conjunta MC/MTP/INSS nº 22, de 30 de dezembro de 2022. Portanto, é importante ressaltar que as mudanças implementadas refletem a aplicação correta das disposições legais correspondentes”, diz o órgão.

Aposentadorias
Os problemas atingem também a análise de pedidos de aposentadoria. Segundo a CGU, há riscos tanto nas concessões como nos indeferimentos automáticos, já que a análise é feita a partir da simulação do benefício produzida por quem faz o requerimento.

Para os auditores, a forma como a análise ocorre automaticamente “aumentou a responsabilidade sobre o requerente, que deve compreender com clareza as relações previdenciárias apresentadas para que possa editar ou informar precisamente novas relações omitidas no CNIS [Cadastro Nacional de Informações Sociais], sob risco de ter seu requerimento indeferido sumariamente”, explica o texto.
“No caso do deferimento automático, essa responsabilidade se traduz na necessidade de requerer a revisão de um benefício que porventura tenha sido concedido em valor inferior ao que seria concedido no caso de os indicadores terem sido analisados por servidor do INSS”, diz o relatório.

Doze servidores
Apesar da importância crescente das análises automáticas no trabalho do INSS — a meta da instituição é chegar a 50% de todos os processos no fim deste ano –, a CGU identificou que em outubro do ano passado “as áreas responsáveis, direta e indiretamente, pela execução das atividades no contexto das análises automáticas de requerimentos de benefícios envolvem a participação efetiva de doze servidores no total.”

Para os auditores, “os fatores de risco identificados no tocante à força de trabalho têm potencial para prejudicar, em curto a médio prazo, a continuidade e a evolução dos serviços relacionados à automatização das análises, considerando o quantitativo de colaboradores atualmente alocados, devido à complexidade e ao volume das atividades exercidas, além das demandas crescentes com a expansão para mais espécies de benefícios.”
Alertas desde 2020
Não é a primeira vez que a CGU aponta problemas no sistema de análises automatizadas do INSS.

Em 2020, um relatório “verificou a existência de fragilidades no processo”, incluindo “vulnerabilidades identificadas em relação à formalização incipiente das responsabilidades das unidades em nível operacional”, “lacunas no planejamento e identificação prévia de riscos relacionados” e “falta de indicadores e metas qualitativos e quantitativos”.

Em outubro de 2022, a Globo News já havia registrado o aumento nas negativas causado pelas análises automatizadas. (veja abaixo)

aquele momento, especialistas alertavam para o risco de conclusões incorretas no processo.

“O robô acaba indeferindo tudo porque os cadastros normalmente têm erros. Esse trabalho precisa ser feito por um servidor, um ser humano. A máquina não está preparada para isso”, afirmou Diego Cherulli, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário.
À época, o INSS afirmou que “o processamento automático de benefícios esá em constante evolução” e que “o percentual de benefícios concedidos e indeferidos seguem a tendência histórica de 50% para cada grupo” — percentual abaixo do registrado agora pela CGU.

 

O que diz o INSS
Confira abaixo o posicionamento enviado ao g1 pelo INSS.

É importante ressaltar que nos últimos anos o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tem intensificado seus esforços para aprimorar a eficiência na liberação de benefícios, mantendo uma proporção estável entre concessões e indeferimentos. Notavelmente, os benefícios mais recorrentes sujeitos a recursos incluem o auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para pessoas com deficiência. O motivo predominante para indeferimentos decorre, frequentemente, do parecer desfavorável emitido pela perícia médica, e não está diretamente associado ao processo de automação.

No que diz respeito ao salário-maternidade, o INSS revisou as perguntas no requerimento, tornando a linguagem mais acessível ao requerente. A pergunta foi reformulada da seguinte forma: “A pessoa ficou sem trabalhar a partir do parto, adoção, atestado ou aborto não criminoso?”. Além disso, uma mensagem foi incorporada abaixo da referida pergunta, visando fornecer clareza adicional, sendo: “O recebimento do benefício está condicionado ao afastamento do trabalho ou da atividade desempenhada, sob pena de suspensão do benefício, conforme art. 71-C da lei 8.213/91.”

Em relação ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) da pessoa com deficiência é essencial esclarecer que as recentes mudanças não decorrem de erros, mas sim de ajustes embasados na aplicação da norma legal em contextos específicos. Anteriormente, a declaração de exercício de atividade remunerada no Cadastro Único (CadÚnico), mesmo sem vínculo no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), impactava o acesso ao benefício, com respaldo legal para tal decisão. A revisão dessas diretrizes foi efetivada em conformidade com a Portaria Conjunta MC/MTP/INSS nº 22, de 30 de dezembro de 2022. Portanto, é importante ressaltar que as mudanças implementadas refletem a aplicação correta das disposições legais correspondentes.

No intuito de promover a humanização do atendimento, uma das prioridades estabelecidas pelo ministro da Previdência Carlos Lupi e pelo presidente do INSS Alessandro Stefanutto, o INSS tem dedicado consideráveis esforços para aprimorar o canal Meu INSS, focando na perspectiva do cidadão. Nesse sentido, foi dado início, em colaboração com a Secretaria de Governo Digital (SGD), uma frente focada na melhoria da experiência do usuário.

Os principais objetivos dessa iniciativa são: mapear a jornada do usuário, identificar desafios e oportunidades de aprimoramento da usabilidade e da experiência do usuário em cada ponto de contato levando em conta as funcionalidades já em operação; detectar as necessidades dos usuários ainda não contempladas pelo serviço; verificar oportunidades de aprimoramento na comunicação, disseminação e ampliação do alcance do serviço; redesenhar funcionalidades já em operação e desenvolver novas funcionalidades; testar as propostas de redesenho.

Para alcançar esses objetivos, serão conduzidas entrevistas com os segurados nas seguintes datas e localidades: Picos (PI) nos dias 13 e 14 de novembro; Brasília (DF) de 20 a 23 de novembro; Rio de Janeiro (RJ) de 28 a 30 de novembro e Recife (PE) de 5 a 7 de dezembro.

O INSS valoriza imensamente o retorno dos cidadãos e considera essas interações como fundamentais para aprimorar ainda mais a qualidade do serviço prestado.

FONTE: G1 – Por Marcelo ParreiraVinícius Cassela, g1 — Brasília